Já não se fazem copas do mundo como antigamente
A seleção de Dunga e outras tantas classificadas para a Copa do Mundo da África do Sul entram em campo nesta terça-feira — o escrete canarinho joga contra a Irlanda, em Londres — para seu apronto final antes da estréia no torneio. Apronto final? É estranho, mais é isso mesmo, os técnicos destas seleções terão hoje a última oportunidade — a única nos cinco meses que antecedem a Copa — para avaliar seus jogadores com vistas à convocação final em maio próximo. Mas sendo a Copa do Mundo o maior espetáculo do futebol mundial, não deveria a Fifa garantir aos selecionados um tempo razoável para uma preparação adequada? Deveria, mas já não se fazem copas do mundo como antigamente. De fato, em tempos outrora, esse torneio era do mais alto nível, superior a qualquer outra competição futebolística, que confrontava autênticas seleções de futebol de diferentes escolas e reuniam os melhores jogadores do planeta. Por conta da elevada competitividade, a cada quatro anos o futebol se renovava em termos técnicos e táticos. Para chegar a essa disputa, às seleções nacionais eram assegurados todos os meios possíveis para uma boa preparação, incluindo infra-estrutura de treinamentos, tempo razoável de concentração, aclimatação adequada ao local dos jogos e disputa de amistosos.
Para se ter uma idéia, nos cinco meses que antecederam a Copa do Mundo de 1970, a Seleção Brasileira disputou sete amistosos oficiais contra outras seleções. Já para a Copa da Alemanha, em 1974, o escrete canarinho testou sua força em nove jogos amistosos entre fevereiro e junho daquele ano. Em 1978, o Brasil fez apenas cinco jogos oficiais antes da Copa da Argentina, mas, em compensação, jogou mais oito vezes contra alguns combinados estaduais e clubes europeus. Para a Copa da Espanha, em 1982, a Seleção Brasileira realizou seis amistosos oficiais, um a menos que a preparação reservou para a disputa da copa seguinte, em 1986, no México. É interessante observar que, além dos amistosos, o tempo em que as seleções iniciavam sua concentração até o jogo de estréia no torneio mundial era de, no mínimo, trinta dias.
Porém, os anos que se sucederam à Copa de 1986 trouxeram mudanças significativas na relação entre clubes e seleções nacionais, pelo menos na Europa. Os clubes europeus, com seus investimentos astronômicos em jogadores de alto nível, começaram a se impor, negando a cessão de seus atletas ao bel prazer das federações de futebol. Com isso, os campeonatos nacionais e continentais passaram a ser mais valorizados e as datas reservadas às seleções nacionais foram reduzidas. As mudanças na Europa não tardaram para interferir na preparação das principais seleções da América do Sul, uma vez que seus melhores jogadores eram contratados pelos clubes do Velho Continente, obrigando as federações locais a negociar com seus dirigentes a liberação dos atletas convocados.
As mudanças foram já sentidas na Copa do Mundo da Itália, em 1990, quando as seleções classificadas pouco tempo tiveram para se prepararem adequadamente para a disputa. Depois da confirmação da vaga nas Eliminatórias, até a sua estréia a Seleção Brasileira jogou apenas três amistosos e só conseguiu reunir todos os convocados quinze dias antes do primeiro jogo. Nas copas seguintes não foi diferente. Os amistosos pré-copa só aconteciam em datas programadas pela Fifa, a menos que as seleções optassem por convocar apenas jogadores dos clubes nativos. Assim, sem considerar partidas não-oficiais disputadas já na fase de preparação final para as copas e aquelas em que o treinador estava impossibilitado de colocar em campo seu time titular, em 1994 e 1998 o Brasil disputou dois amistosos. Para as copas de 2002, 2006 e esta agora na África do Sul a Fifa separou apenas uma data para as seleções.
A falta de uma preparação adequada das seleções repercutiu diretamente na qualidade das Copas do Mundo disputadas depois de 1986. De lá para cá, foram poucas as seleções que se apresentaram como verdadeiros times de futebol; os melhores jogadores, depois de estafante temporada por seus clubes, chegavam baleados e pouco motivados para disputar o torneio. Mesmo entre as seleções campeãs poucos foram os destaques individuais e nenhuma contribuiu para a evolução técnica e tática do futebol. Por incrível que possa parecer, em vinte anos, apenas três jogadores fizeram jus a um lugar no panteão mundial dos craques de bola: Romário, Zidane e Ronaldo (o Fenômeno).
Para quem espera alguma coisa em termos de futebol nesta Copa da África do Sul, cuidado para não passar raiva, pois a tendência é que a competição seja tão paupérrima quanto foram as últimas edições. Se alguém duvida, preste atenção então em algumas seleções que jogam hoje, a começar pela seleção de Dunga, que ocupa as primeiras posições do ranking da Fifa.
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