Quando raça e gana se confundem com técnica
É sempre assim, quando nosso time ganha é porque teve atitude, mostrou disposição, raça e garra e honrou as cores do clube ou da seleção. Mas quando perde é porque faltaram a tal da vontade de vencer e o amor à camisa. Isso é muito interessante. Vejam só: para a vitória ou para a derrota arranjam-se enes explicações, porém, poucas têm a ver com o desempenho técnico e tático dos times. Ultimamente, é raro justificar um placar de uma partida pelo futebol jogado. Dificilmente, coloca-se em pauta a questão do mérito, a de quem jogou melhor ou pior.
Antes, essa entrega desmedida era apenas uma cobrança vinda das arquibancadas. De uns tempos prá cá, essa lenga-lenga da vontade ou da falta dela de ganhar, de ter ou não ter atitude, de dar o suor ou não suar em campo, é cada vez mais encontrada nos textos e falas dos principais comentaristas esportivos do país. Não se sabe se eles desejam agradar o torcedor ou se eles emitem uma sincera opinião. E quando se trata de Seleção Brasileira, o que se lê e o que se ouve é uma ladainha irritante, pois se agregam aí doses do patriotismo mais piegas, como se disputar uma Copa do Mundo fosse partir para uma guerra.
É dessa forma que as conquistas e os fracassos do escrete canarinho são justificados quando se trata de Copa. Desde a conquista do tri, já havia uma dificuldade da crônica esportiva e dos torcedores em reconhecer nas derrotas brasileiras as limitações técnicas e táticas do nosso selecionado e os méritos dos nossos adversários. Ao invés de se render ao brilho de seleções como a da Holanda em 1974, a da Itália em 1982 e a da França em 1986, uma parte de nossos cronistas e a torcida em geral se preocupavam em identificar fatores extra-campo e infortúnios que explicassem o fracasso da seleção dentro de campo, sem, no entanto, questionar se o nosso futebol continuava sendo o melhor do planeta, um mito criado desde a geração de Pelé e Garrincha.
Mas, é a partir da Copa de 1990, que nossos jogadores de futebol passaram a ser avaliados não por suas qualidades no trato com a bola, mas sim pela ganância de vitória e de entrega na defesa das cores brasileiras. Portanto, os novos fracassos verificados naquela Copa e nas que se sucederam em 1998 e 2006, não teriam nada a ver com o talento de Maradona e a técnica apurada e a visão de jogo de Zidane. Será mesmo que não tiveram nada a ver? Por outro lado, as conquistas de 1994 e 2002 seriam resultantes dessa vontade e dedicação patriótica que teriam faltado em outras copas.
Coincidentemente, esse discurso da falta ou excesso de vontade se assenta na medida em que o futebol perde qualidade, criatividade e encanto. Com poucas referências do que seja um craque, as gerações mais jovens se contentam em idolatrar aqueles jogadores que se entregam de corpo e alma em campo, que jogam com muita raça, garra e gana, compensando suas flagrantes limitações técnicas. Aliás, o problema reside justamente aí, quando a vontade de vencer, comumente, vem sendo confundida com técnica, algo raro cada vez mais em nossos estádios.
Comentários