A falácia do hexacampeonato do Flamengo

Depois da brilhante conquista do Brasileirão de 2009, pode o Flamengo ser considerado hexacampeão brasileiro? Eis uma pergunta que deveria ser simplesmente respondida com um não, uma vez que ser hexa pressupõe ganhar um campeonato por seis vezes consecutivas, o que não é o caso do Flamengo. Entretanto, com a boçalidade que vem contaminando nossas arquibancadas e as redações de esporte dos principais jornais de nossa imprensa escrita e eletrônica, a resposta requer maior elaboração. Vamos lá, em duas partes.
Antes um esclarecimento, este post não tem nenhuma intenção de desvalorizar e secundarizar os títulos conquistados pelo Flamengo e por outros clubes ou seleções nacionais aqui citadas. Busco simplesmente contribuir para uma melhor compreensão dessa questão que há muito tempo é polêmica no futebol brasileiro.
Pra ser hexa é preciso ser penta
Em primeiro lugar, na conta dos supostos seis títulos brasileiros conquistados pelo Flamengo, tá faltando uma taça, a de 1987. Esta, ao invés de na Gávea se encontra na Ilha do Retiro, em Recife, sob a guarda de outro rubro-negro, o Sport Club Recife. E está lá porque o clube pernambucano superou o Guarani de Campinas em dois jogos finais, depois que, contrariando o regulamento adotado para aquela edição do Campeonato Brasileiro, Flamengo e Internacional, campeão e vice do módulo verde, se recusaram a disputar as semifinais contra o campeão e o vice do módulo amarelo (Sport e Guarani, respectivamente). O título do Sport foi confirmado pela entidade oficial do futebol no Brasil, a CBF, à qual todos os clubes profissionais estão submetidos. Além do carimbo da CBF, é bom que se diga que a Justiça Desportiva e a Justiça Comum (TRF/5ª Região) se pronunciaram a favor do Sport. Desde então, não há mais o que se discutir sobre quem tem a razão neste caso, é perda de tempo.
A menos que agora passemos a dar crédito aos números, às estatísticas e às súmulas feitas ao bel prazer por qualquer um, como já são os casos do autoproclamado hexacampeonato do Flamengo e dos mil gols de Romário, que inclui, pasmem!, os que ele fez nas categorias dente-de-leite, fraldinha e em treinos, avalizados pela imprensa esportiva e seus principais colunistas.
Mas, por coerência, o também autoproclamado octacampeonato brasileiro do Santos Futebol Clube — tá lá no site do clube praiano —, que juntou no mesmo saco os títulos da Taça Brasil conquistados em sequência entre 1961 e 1965, do Torneio Roberto Gomes Pedrosa de 1968 e dos Campeonatos Brasileiros de 2002 e 2004, deveria ser reconhecido. Por extensão, Palmeiras e Fluminense seriam aceitos como campeões mundiais de clube, já que os mesmos consideram as conquistas de um torneio — a Copa Rio, disputada em 1951 e 1952 — que reuniu alguns clubes da Europa e da América do Sul como um mundial interclubes, mesmo sem a chancela da FIFA.
Como se vê, não dá para levar a sério o que cada clube entende como a verdade do futebol. É por isso que existe uma CBF, uma Conmebol, uma UEFA, uma FIFA, para por ordem em suas respectivas jurisdições futebolísticas. Que este ou aquele clube busque o reconhecimento de suas glórias ou pseudo-glórias, aqui é um direito que não se questiona. Mas enquanto isso não vem não dar pra sair por aí gritando aos quatro ventos que é campeão disso ou daquilo. Portanto, com o título brasileiro conquistado em 2009 o Flamengo não passou a ser hexacampeão pela simples razão de, até aquela data, não ter sido pentacampeão.
Prá ser hexa é preciso ser campeão seis vezes seguidas
Numa conclusão rápida, alguns mais apressadinhos logo diriam: — Ah, tá! Se não foi hexa, então o Brasileirão de 2009 representou o pentacampeonato para o clube. Isso não há como contestar, pois, afinal, além do ano passado, o Mengão foi campeão em 1980, 1982, 1983 e 1992.
Ledo engano, e aqui começa a segunda parte de minha argumentação. Pra ser hexa não só basta ser penta como também é preciso que os títulos ocorram por seis edições seguidas de um mesmo campeonato. Antes de ser banalizado, o uso no futebol e em outros esportes de adjetivos como bi, tri, tetra, penta, hexa, hepta, octa, enea, decacampeão tinha justamente a função de laurear as conquistas consecutivas de títulos, campeonato atrás de campeonato, torneio atrás de torneio, I-NIN-TER-RUP-TA-MEN-TE.
Uma coisa é ser campeão ene vezes em anos alternados; bem diferente de ser campeão ene vezes por anos seguidos, que assume ares de façanha, de hegemonia sobre os rivais. Os que não percebem diferença alguma entre as situações, tal como as torcidas mais apaixonadas e a imprensa em geral, com raras exceções, saiem por aí gritando que São Paulo e Flamengo — este, mesmo só tendo cinco títulos — são hexacampeões brasileiros; que Palmeiras, Corinthians e Vasco são tetra e que o Internacional de Porto Alegre é tri. Em âmbito mundial, em coro, saúdam a nossa seleção de futebol como a única “pentacampeã” do mundo; no plano abaixo do Brasil, viriam a Itália com seu “tetracampeonato” e a Alemanha “tricampeã”. Por esta lógica, no cenário sulamericano, a Argentina, por seus 15 títulos ao longo da história da Copa América, deveria ser vista como pentadecacampeão, denominação que só vamos popularizar em solo pátrio quando a Seleção Brasileira chegar a tantas conquistas no continente, algo que ainda muito distante.
Só que não é bem assim. Teria o mesmo valor a conquista por cinco vezes do título brasileiro num período de tempo de trinta anos, como foi o Flamengo, de uma conquista por três anos em sequência desse mesmo título, como foi recentemente o São Paulo? É óbvio que não. É bem possível que, nas próximas duas décadas, o rubro-negro carioca e o tricolor paulista conquistem o campeonato nacional por várias vezes, porém, por dois, três ou mais anos em série será bem mais difícil. Para um clube, a conquista de um título por vários anos seguidos, a depender do grau de dificuldade do campeonato, sempre será a consagração de uma hegemonia. É por isso que essas glórias são especialmente denominadas de bi, tri, tetra, penta, hexacampeonato etc.
Com esse entendimento, não há dúvida de que a maior façanha do futebol brasileiro foi ter sido bicampeão do mundo em 1958 e em 1962. Antes, tal proeza somente havia sido alcançada pela Seleção Uruguaia, bicampeã olímpica em 1924 e 1928 — tempo em que o futebol numa Olimpíada tinha o valor de uma Copa do Mundo —, e pela Seleção Italiana, bicampeã do mundo em 1934 e 1938. Depois, jamais uma seleção ganhou duas edições consecutivas de uma copa. Em se tratando dos clubes, no Brasil, como já dito, apenas o São Paulo conseguiu o feito de se sagrar campeão três vezes seguidas, em 2006, 2007 e 2008. Sem dúvida, é o tricolor paulista o autêntico e único tricampeão brasileiro. Já o Flamengo, em 1984, chegou perto de ser tri — já que na época defendia seu bicampeonato conquistado em 1982 e 1983 —, mas não passou de um honroso 5º lugar. Resta o consolo de ser, depois do São Paulo, o segundo lugar no ranking de títulos do Campeonato Brasileiro.

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