Botafogo, campeão: milagre ou simplesmente competência?

O destaque da imprensa esportiva nesta segunda-feira é o título de campeão da Taça Guanabara conquistado pelo Botafogo depois de uma vitória por 2 a 0 sobre o Vasco da Gama. A cobertura e a crônica do jogo enaltecem, com doses bem fortes de misticismo, a reação botafoguense após a impiedosa goleada de 6 a 0 imposta há menos de um mês pelo mesmo adversário batido no domingo. Como em outros anos, todos se rendem a Joel Santana, que assumiu o comando do time logo depois daquele “chocolate” e, pelo menos na opinião de alguns, miraculosamente, num tempo bastante curto recuperou a auto-estima do grupo em frangalhos e deu um padrão tático para um time bastante limitado tecnicamente. Eis aí a grande questão: Papai Joel, como é carinhosamente chamado, fez milagre?
Não, Papai Joel não fez milagre. Não o fez porque, com todo respeito por quem acredita, milagres não existem. Também sua vitória não foi obra do acaso, da sorte. No futebol, assim como em outras atividades humanas, não há espaços para essas coisas. Quem recorre a elas para explicar algo assim busca esconder ou não consegue perceber que o sucesso é filho do mérito e da competência. E a vitória do Botafogo foi a vitória da competência, com todos os méritos. Joel Santana, como bem demonstrou em outros times, foi competente em motivar e conferir uma organização tática a um grupo desacreditado. Ciente da pouca qualidade que tinha em mãos, o experiente técnico preparou seu time visando anular com muita marcação as jogadas do adversário, se arriscando pouco para não dá asa ao erro, tão fatal em jogos eliminatórios.
Dificilmente, na hipótese de um campeonato de pontos corridos, o clube da Estrela Solitária seria campeão do Estadual do Rio. O atual grupo de jogadores está bem abaixo da capacidade dos elencos de Flamengo, Fluminense e Vasco. No entanto, em se tratando da fórmula adotada no Carioca, a possibilidade de um time inferior chegar ao topo é considerável, pois a fase do mata-mata abre espaço para o inusitado, em que o direito de errar já não é tão tolerado. Nos últimos anos, aproveitando essa possibilidade, as fases finais de turno do Estadual sempre contaram com um dos chamados pequenos.
Antes que um sapato vindo de General Severiano atinja a minha cabeça, devo me apressar para esclarecer que não considero o Botafogo um time pequeno, muito pelo contrário. O Botafogo segue sendo, como denuncia sua gloriosa história, um dos gigantes do futebol brasileiro. Acontece que pouco se pode esperar do plantel de jogadores que o clube dispõe no momento tomando por referência, claro, campeonatos mais competitivos. Isso é fato. Todos, torcida, comissão técnica e, principalmente, diretoria do Botafogo devem ter plena ciência disso.
Neste ano, não houve a surpresa de um pequeno chegar às semifinais, ao menos até aqui, mas não havia dúvidas entre os analistas esportivos de que, dos quatro grandes, o Botafogo era o menos atraente na bolsa de apostas. Nos três jogos decisivos que se sucederam Flamengo, Fluminense e Vasco não aproveitaram as inúmeras chances de gol criadas. Em suas partidas se apresentaram bem melhor que o adversário, mas foram incompetentes no quesito mais importante: finalizações. O Botafogo, não, competentemente motivado pelo Papai Joel, errou pouco e, nas poucas chances criadas, demonstrou muita competência em colocar as bolas na rede que lhe deram o título da Taça Guanabara.
Entretanto, depois da volta olímpica e dos merecidos rapapés, com direito a churrasco na laje, os botafoguenses não podem se deixar iludir. Desde ontem, tenho visto alguns jogadores campeões no domingo enfatizar que deu a volta por cima ou que o título seria uma resposta aos que duvidavam de seu valor — com poucas exceções, jogador que dá esse tipo de entrevista está num nível abaixo da mediocridade. Eis aí um grande perigo que sempre ronda os grandes clubes no Rio de Janeiro: achar que o título do Carioca é um atestado de força e capacidade de um elenco para vôos mais altos, como o Campeonato Brasileiro. Mas não é mesmo. O Flamengo, campeão carioca de 2009, só levantou a taça nacional porque teve a competência de se reforçar no segundo semestre. Do contrário, a tendência é lutar pra não ser rebaixado à Segunda Divisão. Com o Botafogo, há esse perigo. Sabendo disso e que nem sempre os balões soltados pelos seus zagueiros irão alcançar a cabeça do excelente “Loco” Abreu, Papai Joel, mal desceu as escadas que dão acesso aos vestiários do Maracanã, já começou a exigir da diretoria alvinegra os tão necessários reforços.

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